Limite de tolerância, um pouco de história

Limite de tolerância, um pouco de história

Muitos equívocos são cometidos pelos profissionais da área de segurança do trabalho e medicina ocupacional ao analisar os limites de tolerância propostos em nossa legislação, motivado pela falta de conhecimento sobre a forma como foram estabelecidos e seu histórico.

  1. Limite de Tolerância – Conceito

 Entende-se por limite de tolerância à intensidade ou concentração máxima permissível para exposição a um determinado agente nocivo sem causar danos à saúde do colaborador. Portanto, do ponto de vista prevencionista, os limites de tolerância ou exposição devem ser encarados como balizadores para avaliação dos riscos ocupacionais no ambiente de trabalho.

  1. Estabelecimento dos limites de tolerância no Brasil

A CLT – Consolidação das Leis do Trabalho surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo é a regulamentação das relações individuais e coletivas do trabalho.

Em 22 de dezembro de 1977 o Congresso Nacional editou a Lei n° 6.514 a qual alterou o Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho. Uma das principais alterações na CLT proporcionada por essa lei foi a exigência de adoção de limites de tolerância para exposição a agentes ambientais em seu artigo 189, ou seja:

“Art. 189 – São consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados (grifo do autor), em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”

Por ocasião da alteração da CLT o Ministro do Trabalho à época – Engenheiro Civil Sr. Arnaldo Pietro, determinou que a Fundacentro, instituição criada em 1966 voltada para o estudo e pesquisa das condições dos ambientes de trabalho, a qual foi vinculada ao MTE em 1974, elaborasse um projeto de Portaria para regulamentação da Lei n° 6.514, sendo então elaborada a Portaria n° 3.214, a qual foi publicada em 08 de junho de 1978.

Antes de sua publicação as normas de segurança, higiene e medicina ocupacional encontravam-se dispersas em diversos instrumentos legais. O dispositivo legal mais abrangente na área de higiene ocupacional anterior a Portaria n° 3.214/78 era a Portaria n° 491, de 16 de fevereiro de 1965, que dispunha sobre as atividades e operações insalubres. (pag. 06, Revista ABHO:2010)

Com a publicação da nova Portaria foi possível concentrar em um único instrumento legal a normatização relacionada a segurança, higiene e medicina ocupacional, a qual era composta por 28 NR- Normas Regulamentadoras.

  1. Histórico da elaboração da NR-15 – Atividades e Operações Insalubres e limites de tolerância

Após solicitação da elaboração da Portaria (3.214/78) que regularia a Lei n° 6.214 à Fundacentro, um grupo técnico foi formado para elaboração do seu texto base, o qual era composto pelos seguintes integrantes: José Manuel Osvaldo Gana Soto, Irene Ferreira Saad, Eduardo Giampaoli, Mário Fantazzini, Leila Nadim Zidan e Marcos Domingos da Silva. O principal objetivo do grupo ao elaborar as Normas Regulamentadoras foi adequá-las ao conteúdo da Lei n° 6.214/77. Nesse sentido, apesar de contrário ao adicional de insalubridade, o grupo buscou amenizar o impacto desse conceito na Portaria. Como não era possível eliminá-lo o grupo propôs um texto na NR-15 que previa a eliminação da insalubridade:

 “15.4.1.1 Cabe à DRT, com provada a insalubridade por laudo do Engenheiro ou Médico do Trabalho do MTb (atual MTE):

  1. notificar a empresa, estipulando prazo para a eliminação ou neutralização do risco quando possível.
  2. fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização.” (pag. 07, Revista ABHO:2010)

O texto previa que para todas as condições de trabalho onde fosse caracterizada a insalubridade fossem estabelecidos planos para sua eliminação e neutralização o que, com o tempo, levaria a extinção da insalubridade nas empresas. Contudo, em 1992 o MTE alterou esse texto, deixando em primeiro plano o adicional de insalubridade:

 “15.4.1.1 Cabe à autoridade regional competente em matéria de segurança e saúde do trabalhador, comprovada a insalubridade por laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, devidamente habilitado, fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização.” (NR-15)

Com relação aos limites de tolerância o grupo técnico utilizou com principal referência os limites de exposição ocupacional propostos pela ACGIH – American Conference of Governmental Industrial Hygienists, associação americana de pesquisa e divulgação de limites de exposição para agentes ambientais, de 1976.

3.1.   Agentes químicos

No caso de agentes químicos, como à época da elaboração da Portaria n° 3.214/78 a jornada de trabalho no Brasil era de 48 horas semanais, houve a necessidade de realização de ajustes nos limites de tolerância, já que esses foram estabelecidos pela ACGIH com base em uma jornada semanal de 40 horas, acarretando em uma redução de 22% nos limites de tolerância. Outro ponto interessante diz respeito à elaboração do Anexo n° 11 – Agentes Químicos Cuja Insalubridade é Caracterizada por Limite de Tolerância e Inspeção no Local de Trabalho e Anexo n° 13 – Relação das atividades e operações envolvendo agentes químicos, consideradas, insalubres em decorrência de inspeção realizada no local de trabalho. À época da elaboração da Portaria 3.214/78 a ACGIH já contava com mais de 500 (quinhentas) substâncias químicas com limite de exposição, entretanto, devido às dificuldades de análise de todas as substâncias, bem como pelo número limitado de amostradores para avaliação de substâncias químicas, a Fundacentro optou por adotar apenas os limites de tolerância que pudessem ser avaliados com tubos colorimétricos das marcas disponíveis para importação no Brasil, sendo essas substâncias as que contemplam o Anexo n° 11 da NR-15. As demais substâncias foram elencadas no Anexo n° 13.

É importante ressaltar que os limites de tolerância propostos pela ACGIH, mencionado no item 9.3.5.1 da NR-9, não tem força de lei para fins de caracterização de insalubridade.

3.2.   Ruído

No caso do agente ruído o limite de tolerância estabelecido no Anexo n° 1 é o mesmo proposto pela ACGIH em 1976. A tabela apresentada pelo grupo apresentava os seguintes valores:

Ao propor essa tabela o grupo responsável pela elaboração do texto legal não previa o estabelecimento de limites de tolerância diferentes para jornadas inferiores ou superiores a 8h00, mas sim demonstrar o valor máximo permissível de exposição ao ruído durante um período parcial da jornada de trabalho ou quando essa exposição ultrapasse 8h00.

No entanto o MTE à época considerou que a tabela ao se referir as exposições superiores a 8h00 estaria em conflito com o preceito legal estabelecido. Após discussão entre o grupo técnico e o MTE ficou definido o seguinte quadro para o Anexo n° 1:

Ao estabelecer esse quadro o grupo apresentou valores intermediários visando conferir maior qualidade à caracterização da exposição ocupacional, principalmente para determinar os efeitos combinados a vários níveis de ruído ao longo da jornada, uma vez que à época dosimetros de ruído eram uma raridade no Brasil, de forma que a própria Fundacentro não dispunha desse equipamento. Nesse sentido foi apresentado no Anexo n° 1 da NR-15 a fórmula para cálculo da exposição combinada, a qual permite obter a dose de exposição diária do colaborador, obtida através da seguinte equação:

D = C1/T1 + C2/T2 + Cn/Tn.

Nessa fórmula CN indica o tempo em que o trabalhador fica exposto a um nível de ruído e Tn indica a máxima exposição permissível para essa intensidade, a qual pode ser calculada através da fórmula:

T =      8__
2(N-85/5)

Onde:
T = máxima exposição diária permitida, em horas, e
N = nível de pressão sonora, em dB(A)

Fica evidente, portanto, que o Anexo n° 1 não previa a alteração do limite de tolerância em função da duração da jornada de trabalho diária, mas sim buscou o estabelecimento de parâmetros à época de sua elaboração para permitir a avaliação da exposição diária dos colaboradores em função de diferentes exposições ao longo da jornada.

No tocante ao ruído entendemos ser importante ressaltar que as literaturas técnicas (ACGIH, OSHA, NIOSH, etc.) ao tratar da exposição ocupacional ao ruído sugerem que, independente do tempo de duração da jornada de trabalho diária, seja adotado como valor de referência para os programas de conservação auditiva o valor de 85 dB(A). A NHO-01 traz em sua abordagem o mesmo conceito ao entender que o valor da exposição ocupacional diária seja normalizada e comparada com o limite de 85 dB(A), pois é reconhecido que exposições acima dessa intensidade são prejudiciais a saúde.

3.3.   Calor, Radiação Ionizante, Vibrações, Frio e Umidade

No caso do agente calor os limites de tolerância propostos no Anexo n° 3 da NR-15 foram os mesmos utilizados pela ACGIH. Já para radiações ionizantes, vibrações, frio e umidade o grupo entendeu que era necessário um estudo mais aprofundado do tema para determinação dos limites de tolerância. Em relação a vibração, o grupo optou por adotar como referência os limites propostos pelas normas ISO 2361 – Guia para avaliação da exposição humana a vibrações de corpo inteiro e ISO 5349 Guia para medição e avaliação da exposição humana à vibrações transmitida à mão.

  1. Considerações finais

O estabelecimento das normas regulamentadoras através da Portaria 3.214/78, em especial a NR-15, foi o primeiro passo para o Brasil atuar de forma mais efetiva na prevenção das doenças ocupacionais. Apesar da proposta inicial do grupo ter previsto a revisão da NR-15 a cada dois anos e da apresentação de propostas de revisão dos Anexos da norma, o MTE rejeitou as alterações. Fica evidente, portanto, a necessidade de uma revisão ampla da NR-15, de forma a atualizar o seu conteúdo aos padrões técnicos atuais.

  1. Bibliografia

Esse texto teve como base o artigo técnico “NR-15 Um Pouco de Sua História e Considerações do Grupo que a Elaborou” publicado na edição n° 21 da revista ABHO – Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais, de setembro de 2.010.

Norma Regulamentadora n° 15 – Atividades e Operações Insalubres, Portaria MTb n.º 3.214, de 08 de junho de 1978, disponível em http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR15/NR15-ANEXO15.pdf

Periculosidade. Aspectos Técnicos e Práticos. 13ª Ed. São Paulo: Editora LTR, 2014.

SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves; LANZA, Maria Beatriz de Freitas.

Decreto Lei n° 5.452 – CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, de 01 de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.

Ruído e o Nível de Exposição Normalizado (NEN), disponível em http://www.protecao.com.br/noticias/geral/ruido_e_o_nivel_de_exposicao_normalizado_(nen)/AAjgAnjg/5862.